Religião é Veneno
Roma, a religião da república sagrada
Autor: Acauan | Categoria: Religião, Espiritualidade e Misticismo | Visualizações: 336 Comentários: 8
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Acauan
2024-Janeiro-27
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Comentários sobre a série da HBO
Por Acauan

Publicada originalmente em 17/01/2006 às 16:22

A série televisa Roma (EUA, 2005, co-produzida pela HBO e BBC) é um primor de reconstituição histórica, que mostra a vida na capital do Império no tumultuado período desde a conquista da Gália por Caio Julio César em 52 A.C. até seu assassinato em 44 A.C., levado a cabo por uma conspiração de senadores. Neste período, da narrativa principal, que conta como César subjugou o senado e conquistou o poder absoluto, derivam outras secundárias que retratam o cotidiano da aristocracia e da gente comum da Roma de então.

A perspectiva dos comuns é abordada do ponto de vista de dois fictícios personagens, o legionário Tito Pullo (Interpretado por Ray Stevenson) e o centurião Lúcio Voreno (Interpretado por Kevin McKidd), este um guerreiro totalmente dedicado à sua corporação, a décima terceira Legião, com a qual César bateu Vercingétorix (é, aquele do Asterix) e tomou o rumo do Rubicão.

Voreno, na série, é descrito por Marco Antonio como um muro de pedra catoniano, uma referência aos romanos que seguiam o modelo de conduta e vida de Catão, o censor que encarnava o espírito de austeridade, severidade e honra da antiga República.

A religião de Voreno e de Roma era essencialmente uma religião cívica, na qual não havia diferença entre pecado e não cumprimento dos deveres de cidadão, entre confrontar as instituições e sacrilégio ou entre ofender a República e ofender os deuses.

A República Romana, para os cidadãos que guardavam seus antigos valores, era mais do que uma entidade política, era um intermediário entre os deuses e os homens. Uma entidade erigida por estes, mas imortal como aqueles. Este amálgama entre o civil e o sacro na consciência religiosa romana é abordado no conflito íntimo que se instala em Lúcio Voreno quando César convoca suas tropas para marchar a Roma, contra as ordens do senado. Para o centurião o ato de César é um sacrilégio, cujo destino final teme ser a destruição da República e a instalação da tirania. Mas os mesmos valores e princípios que o fazem se opor às decisões de seu comandante o obrigam a obedecê-las.

O paganismo de Estado dos romanos se mostra em Voreno nas suas diversas facetas. Em uma cena cheia de compenetração sensível o catoniano oferece seu sangue a Vênus, pedindo à deusa que sua esposa o ame tanto quanto ele a ama, uma vez que sua dureza de soldado o impede de expressar seus sentimentos diretamente a ela. Em outra, quando indagado sobre o número de homens que matou, o centurião fornece com frieza uma contagem precisa dos guerreiros mortos (os civis ele não contava), cujo número era oferecido como tributo a Marte, deus da guerra. Voreno também protagoniza alguns rituais específicos, como o banquete oferecido a Janus, o deus das portas, para que este favoreça uma iniciativa comercial, e o ritual de fertilidade, no qual ele e a esposa simulam um ato sexual em meio às terras de sua propriedade, visando torna-las fecundas.

Um contraponto interessante à religiosidade cívica rígida e sincera dos catonianos é apresentada na série no episódio 4, Stealing from Saturn, na qual César, para legitimar seu poder, precisa de um sinal de bons auspícios que deixasse claro que os deuses apoiavam sua tomada do poder absoluto. Ele consegue isto subornando os sacerdotes do Collegium Pontificum, que por uma vultosa quantia aceitam providenciar a aprovação divina durante a sagração de César como ditador romano.

É também através de Lucio Voreno que podemos observar o modo sutil, mas muito minucioso, como a série nos apresenta a desconfortável crueldade reinante na ausência dos valores cristãos que só conquistariam o Ocidente alguns séculos depois.

Em uma cena particularmente chocante, o centurião vai tratar a venda dos escravos que recebera como espólio na campanha da Gália, deixados sob a guarda de um mercador que deveria engordá-los visando melhorar seu preço. Quando pergunta pelo estado de suas mercadorias, é conduzido pelo mercador à jaula minúscula onde estão os corpos putrefatos dos prisioneiros, que morreram de disenteria. O único sobrevivente é um pequeno menino, mantido preso junto ao cadáver da mãe e dos demais para que o proprietário pudesse comprovar por si mesmo que seu patrimônio não fora roubado.

O centurião trava um desesperado diálogo com o mercador, no qual lamenta a dimensão de seu prejuízo. Para o espectador estupefato fica a terrível dúvida de o porquê ninguém ligar a mínima para as pessoas mortas, principalmente, para a criança aprisionada junto aos restos apodrecidos de sua mãe e parentes.

Por que Lúcio Voreno, um homem íntegro e abnegado, se mostrava tão impiedoso?

A resposta simples é que a piedade cristã só seria divulgada quase um século depois do tempo daqueles eventos narrados. Para os romanos, os vencidos escravizados eram apenas isto, vencidos escravizados. Suas vidas e mortes tinham o valor exato de seu preço de mercado ou de sua serventia para o trabalho. Na ausência dos preceitos cristãos que viriam a criar o conceito de pessoa humana com valor em si mesma, os romanos avaliavam o quanto valia uma vida pela sua posição na hierarquia de sua sociedade. Não havia como ou porque naquele sistema reconhecer qualquer tipo de igualdade entre um cidadão romano livre e quem não o era.

Apesar de toda identificação da República Romana e seus valores como a manifestação mais visível dos desígnios dos deuses, Roma não era uma teocracia, no sentido que atualmente se dá ao termo. Na teocracia a religião incorpora o Estado enquanto em Roma o Estado incorporava a religião. Esta simbiose construiu e consolidou o civismo dos romanos, base de sua têmpera guerreira que demarcou o Ocidente na ponta do gládio e na batida das cáligas.Quando o poder e a riqueza corromperam esta simbiose, a República Sagrada desabou.
O triunfo do Império continha em si o gérmen de sua própria decadência.


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Acauan
2024-Janeiro-27
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Este texto fez 18 anos há dez dias.
Atingiu a maioridade.
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Cameron Baum
2024-Janeiro-27
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Uma pena que a serie era cara demais e os produtores foram forçados a transformá-la praticamente em um pornô nos últimos episódios para cortar custos.

Até o orçamento se tornar o maior problema a qualidade de produção era impecável.
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Fernando_Silva
2024-Janeiro-28
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Os romanos, inicialmente, tinham uma vida regrada e sem luxo, mesmo os governantes.

Tudo o que faziam tinha que ser aprovado pelos deuses. Uma guerra, por exemplo, podia ser adiada até que os deuses mandassem um sinal através do voo dos pássaros ou das entranhas de pombos.

Também cultuavam os antepassados, embora mais no sentido de homenageá-los frequentemente para mantê-los satisfeitos e não viessem perturbar os vivos.

Os romanos se orgulhavam de ser autossuficientes, sem depender de importações.
Mas o império e a expansão contínua mudaram tudo. Tiveram contacto com a riqueza e a ostentação dos povos conquistados e começaram a imitá-los.

O rio de riquezas e alimentos vindos de fora acabaram com a agricultura local (exceto alguns itens como azeitonas e vinho).

Os milhares de escravos trazidos de outras terras tomaram o lugar dos trabalhadores rurais. Estes foram para as cidades, mas lá também os escravos faziam todo o trabalho. Como desestímulo adicional, o Estado pagava uma pensão a todo cidadão (dinheiro não faltava).

O resultado foi o fim da classe média. Só restaram os ricos, os pobres e os escravos.

Nota: a classe média também foi dizimada porque era convocada para lutar nas guerras de expansão (antes de se constituírem as legiões permanentes).
Os que não morriam, encontravam ao voltar suas colheitas perdidas e acabavam tendo que vender suas terras para os latifundiários.
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Volpiceli
2024-Junho-25
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A REPÚBLICA ROMANA ERA UMA DEMOCRACIA?

Até que ponto ia a liberdade política dos romanos? Como seria considerada a república no mundo de hoje?



Se você fizesse a pergunta acima a um ateniense, a resposta seria não. A República Romana (509 a.C.-27 a.C.) não era uma democracia. Mas, se veio à sua mente algo mais parecido com o que chamamos hoje de democracia, nos EUA, no Brasil, na Índia, é uma conversa mais complexa.

Vinda da união dos termos gregos dêmos (povo) e kratía (poder) – a demokratía surgiu da experiência dos atenienses no século 5 a.C. Seria o governo exercido pelo povo – em oposição ao governo de um só (monarquia) ou poucos (oligarquia). Todos os cidadãos gregos – excluindo menores, estrangeiros e escravos – votavam diretamente nas questões da cidade, sem eleger representantes.

Roma era diferente. “A República Romana é muito mais semelhante à nossa democracia do que à democracia direta ateniense”, diz Julio Cesar Magalhães de Oliveira, vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo.

“Os romanos, como nós, elegiam candidatos a cargos públicos por meio do voto secreto. Ao mesmo tempo, porém, ao votarem leis na praça pública, também tinham uma forma de participação direta que se assemelha mais à democracia ateniense do que às formulações de leis nos nossos parlamentos. Por essa razão, mesmo não podendo definir a República Romana como plenamente democrática, ela comporta elementos democráticos e tem uma importante, e muitas vezes decisiva, participação popular.”

O debate não vem de agora. O historiador grego Políbio já levantava a questão no século 2 a.C. Para ele, Roma havia encontrado o equilíbrio por meio da mistura em sua Constituição: “Se olharmos somente para o poder dos cônsules, estaremos inclinados a considerar a Constituição romana como despótica; se olharmos só para o Senado, como aristocrática; e, se, finalmente, considerarmos o poder dos muitos/da maioria (tôn pollôn), parecerá um caso claro de democracia¨.

De acordo com a análise de Políbio, as assembleias populares e os tribunos da plebe formavam os elementos democráticos da Constituição da República Romana. A participação dos cidadãos nas tomadas de decisão, como ir ou não à guerra, freava o poder e os interesses da aristocracia.

“Em sua lógica, mantinha-se a coesão social e evitavam-se radicalismos que ameaçassem a existência da cidade, como também se fortalecia a cidade, demodo a possibilitar sua expansão”, explica afirma Rafael Scopacasa, professor de história antiga na Universidade Federal de Minas Gerais e autor do artigo Poder popular e expansão da república romana, 200-150 a.C.

Controvérsias

Questão fechada? Roma era mais ou menos democracia? Há quem discorde. Muitos historiadores do século 20 renegaram Políbio. O poder popular teria sido uma fachada para encobrir quem realmente comandava: a oligarquia. O historiador suíço Matthias Gelzer publicou, em 1912, A Nobreza da República Romana, considerando absurda a ideia de democracia em Roma.

Entre seus argumentos estava o sistema de troca de favores. Exemplo: uma família rica dava ajuda jurídica ou material para outra família, bem menos abastada, para receber apoio. “O homem mais poderoso era aquele que, em virtude dos seus clientes, era capaz de mobilizar o maior número de eleitores”, definiu Gelzer.

Nos Estados Unidos, o estudo Party Politics in the Age of Caesar (“Política Partidária na Era de Cesar”), de Lily Ross Taylor, teve como um de seus pontos principais a questão do voto representativo – e não direto como na democracia de Atenas.

Havia o Senado, que era eleito indiretamente, e as assembleias das tribos, das cúrias e das centúrias. E essas tinham suas desigualdades: das 35 tribos existentes, quatro reuniam os trabalhadores pobres da cidade, enquanto as outras 31 eram compostas de proprietários.

No fim do século 20, o lado positivo do sistema republicano romano voltou a ser defendido pelo historiador britânico Fergus Millar – para quem o poder do povo em Roma fora mais direto e eficaz.

De fato, as leis precisavam ser aprovadas por voto popular nas assembleias, das quais todo cidadão tinha o direito de participar. “Além disso, nobres interessados em fazer carreira política tinham que ganhar o apoio do povo. Isso indicava que o povo comum tinha, sim, o poder de influenciar as decisões políticas”, afirma Rafael Scopacasa, professor de história antiga na Universidade Federal de Minas Gerais.

O que, ainda de acordo com Scopacasa, não anula outras questões, como a não participação nas atividades públicas dos cidadãos de baixa ou média renda que viviam longe de Roma e não tinham como se deslocar até lá.

Roma, enfim, era uma democracia com tendências oligárquicas. Mas o que dizer da nossa? “Do ponto de vista dos atenienses, um regime como o nosso, em que se escolhe os ‘melhores’ entre candidatos – muitas vezes políticos profissionais – e não se sorteia entre todos os cidadãos dispostos a assumir funções públicas, ou se exerça diretamente o direito de cidadão, não seria visto como uma democracia, mas como uma oligarquia”, afirma Julio Cesar. Estamos mais para Roma do que para Atenas.


https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/roma-democracia.phtml


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Volpiceli
2024-Junho-25
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Na teocracia a religião incorpora o Estado enquanto em Roma o Estado incorporava a religião. Esta simbiose construiu e consolidou o civismo dos romanos, base de sua têmpera guerreira que demarcou o Ocidente na ponta do gládio e na batida das cáligas.



Esse é um dos grandes motivos por que os cristãos eram perseguidos no Império Romano. Ao se recusarem a venerar os deuses romanos (você podia até venerar outros deuses desde que, também, venerassem os deuses romanos) os cristãos, de certo modo, também se recusavam a venerar o Estado, o que era visto como traição.
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O ENCOSTO
2024-Junho-25
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Cameron Baum

Uma pena que a serie era cara demais e os produtores foram forçados a transformá-la praticamente em um pornô nos últimos episódios para cortar custos.

Até o orçamento se tornar o maior problema a qualidade de produção era impecável.


‍Se eu não estou enganado, uma das primeiras cenas da série é um cara carcando uma mulher numa arvore, enquanto a tropa aguarda para continuar. Então a série não ficou "picante" depois. já iniciou assim.
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Fernando_Silva
2024-Junho-25
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Volpiceli

Na teocracia a religião incorpora o Estado enquanto em Roma o Estado incorporava a religião. Esta simbiose construiu e consolidou o civismo dos romanos, base de sua têmpera guerreira que demarcou o Ocidente na ponta do gládio e na batida das cáligas.

Esse é um dos grandes motivos por que os cristãos eram perseguidos no Império Romano. Ao se recusarem a venerar os deuses romanos (você podia até venerar outros deuses desde que, também, venerassem os deuses romanos) os cristãos, de certo modo, também se recusavam a venerar o Estado, o que era visto como traição.

Na verdade, os romanos tendiam a identificar seus deuses nos deuses dos outros povos. Tipo "tal deus deles corresponde ao nosso deus Fulano".

O problema com os cristãos começou principalmente quando surgiu o culto ao imperador, que se via como um semideus - e os cristãos se recusavam a adorá-lo.

Outro problema, no início do cristianismo, é que os cristãos achavam que Jesus ia voltar logo e não adiantava mais trabalhar nem fazer nada. Ou respeitar as leis do império.

Daí eram vistos como anarquistas, desordeiros, más influências etc.

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Acauan
2024-Junho-25
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Fernando_Silva

...
Outro problema, no início do cristianismo, é que os cristãos achavam que Jesus ia voltar logo e não adiantava mais trabalhar nem fazer nada. Ou respeitar as leis do império.

Daí eram vistos como anarquistas, desordeiros, más influências etc.


Alguns cronistas da época relatam que os cristãos primitivos também eram chatos prá cacete, que não se limitavam a repudiar os deuses pagãos, mas também faziam isso de modo público, ostensivo e desrespeitoso  com os seguidores do ritos tradicionais romanos, inclusive perturbando cerimônias e vandalizando objetos de culto.

Porém..., sempre cabe a cautela de checar a parcialidade dos cronistas, o que nem sempre é fácil, mas é sabido que boa parte deles via os cristãos com antipatia, mais por questões pessoais que pelo comportamento dleles.

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