Se você fizesse a pergunta acima a um ateniense, a resposta seria não. A República Romana (509 a.C.-27 a.C.) não era uma democracia. Mas, se veio à sua mente algo mais parecido com o que chamamos hoje de democracia, nos EUA, no Brasil, na Índia, é uma conversa mais complexa.
Vinda da união dos termos gregos dêmos (povo) e kratía (poder) – a demokratía surgiu da experiência dos atenienses no século 5 a.C. Seria o governo exercido pelo povo – em oposição ao governo de um só (monarquia) ou poucos (oligarquia). Todos os cidadãos gregos – excluindo menores, estrangeiros e escravos – votavam diretamente nas questões da cidade, sem eleger representantes.
Roma era diferente. “A República Romana é muito mais semelhante à nossa democracia do que à democracia direta ateniense”, diz Julio Cesar Magalhães de Oliveira, vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo.
“Os romanos, como nós, elegiam candidatos a cargos públicos por meio do voto secreto. Ao mesmo tempo, porém, ao votarem leis na praça pública, também tinham uma forma de participação direta que se assemelha mais à democracia ateniense do que às formulações de leis nos nossos parlamentos. Por essa razão, mesmo não podendo definir a República Romana como plenamente democrática, ela comporta elementos democráticos e tem uma importante, e muitas vezes decisiva, participação popular.”
O debate não vem de agora. O historiador grego Políbio já levantava a questão no século 2 a.C. Para ele, Roma havia encontrado o equilíbrio por meio da mistura em sua Constituição: “Se olharmos somente para o poder dos cônsules, estaremos inclinados a considerar a Constituição romana como despótica; se olharmos só para o Senado, como aristocrática; e, se, finalmente, considerarmos o poder dos muitos/da maioria (tôn pollôn), parecerá um caso claro de democracia¨.
De acordo com a análise de Políbio, as assembleias populares e os tribunos da plebe formavam os elementos democráticos da Constituição da República Romana. A participação dos cidadãos nas tomadas de decisão, como ir ou não à guerra, freava o poder e os interesses da aristocracia.
“Em sua lógica, mantinha-se a coesão social e evitavam-se radicalismos que ameaçassem a existência da cidade, como também se fortalecia a cidade, demodo a possibilitar sua expansão”, explica afirma Rafael Scopacasa, professor de história antiga na Universidade Federal de Minas Gerais e autor do artigo
Poder popular e expansão da república romana, 200-150 a.C.Controvérsias
Questão fechada? Roma era mais ou menos democracia? Há quem discorde. Muitos historiadores do século 20 renegaram Políbio. O poder popular teria sido uma fachada para encobrir quem realmente comandava: a oligarquia. O historiador suíço Matthias Gelzer publicou, em 1912, A Nobreza da República Romana, considerando absurda a ideia de democracia em Roma.
Entre seus argumentos estava o sistema de troca de favores. Exemplo: uma família rica dava ajuda jurídica ou material para outra família, bem menos abastada, para receber apoio. “O homem mais poderoso era aquele que, em virtude dos seus clientes, era capaz de mobilizar o maior número de eleitores”, definiu Gelzer.
Nos Estados Unidos, o estudo Party Politics in the Age of Caesar (“Política Partidária na Era de Cesar”), de Lily Ross Taylor, teve como um de seus pontos principais a questão do voto representativo – e não direto como na democracia de Atenas.
Havia o Senado, que era eleito indiretamente, e as assembleias das tribos, das cúrias e das centúrias. E essas tinham suas desigualdades: das 35 tribos existentes, quatro reuniam os trabalhadores pobres da cidade, enquanto as outras 31 eram compostas de proprietários.
No fim do século 20, o lado positivo do sistema republicano romano voltou a ser defendido pelo historiador britânico Fergus Millar – para quem o poder do povo em Roma fora mais direto e eficaz.
De fato, as leis precisavam ser aprovadas por voto popular nas assembleias, das quais todo cidadão tinha o direito de participar. “Além disso, nobres interessados em fazer carreira política tinham que ganhar o apoio do povo. Isso indicava que o povo comum tinha, sim, o poder de influenciar as decisões políticas”, afirma Rafael Scopacasa, professor de história antiga na Universidade Federal de Minas Gerais.
O que, ainda de acordo com Scopacasa, não anula outras questões, como a não participação nas atividades públicas dos cidadãos de baixa ou média renda que viviam longe de Roma e não tinham como se deslocar até lá.
Roma, enfim, era uma democracia com tendências oligárquicas. Mas o que dizer da nossa? “Do ponto de vista dos atenienses, um regime como o nosso, em que se escolhe os ‘melhores’ entre candidatos – muitas vezes políticos profissionais – e não se sorteia entre todos os cidadãos dispostos a assumir funções públicas, ou se exerça diretamente o direito de cidadão, não seria visto como uma democracia, mas como uma oligarquia”, afirma Julio Cesar. Estamos mais para Roma do que para Atenas.
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